O que significa NhanduPaúba?
Origem, significado e memória indígena de um nome ancestral
Os nomes de lugares no Brasil carregam histórias muito mais antigas do que a própria formação do país. NhanduPaúba é um desses nomes: um topônimo de origem indígena que preserva, em poucas sílabas, informações sobre a paisagem, a língua e a forma de ver o mundo dos povos que habitavam o litoral paulista antes dos mapas europeus. Compreender o significado desse nome exige olhar para a língua tupi, para os registros históricos e para a maneira como os povos indígenas nomeavam seus territórios.
A língua tupi e os nomes de lugares
Antes da chegada dos europeus, milhares de línguas indígenas eram faladas ao longo da costa brasileira. Entre elas, o tupi antigo teve enorme importância, tornando-se uma espécie de língua geral no período colonial inicial. Missionários, cronistas e estudiosos dos séculos XVI e XVII registraram essa língua em gramáticas e dicionários, permitindo que muitos termos chegassem até os dias atuais.
Grande parte dos nomes de rios, praias, serras e cidades do Brasil deriva dessas línguas. Esses nomes são chamados de topônimos indígenas e, diferentemente da tradição europeia, não eram escolhidos de forma simbólica ou arbitrária. Eles descreviam características concretas do ambiente, como a presença de água, tipos de vegetação, animais abundantes ou aspectos marcantes da paisagem.
O registro histórico de NhanduPaúba
Documentos históricos indicam que, desde pelo menos o século XVII, a região hoje conhecida como Paúba aparecia registrada com algumas grafias semelhantes à que usamos: Nhandupauba - Iandupauba - Inhandupauba.
Ao longo do tempo, especialmente a partir do século XX, o nome foi transformado apenas em Paúba, provavelmente por adaptação à língua portuguesa e para facilitar a escrita e até a pronúncia. Esse processo de simplificação é comum em topônimos indígenas e não significa perda de importância ou de significados, mas sim, uma transformação linguística ao longo do tempo.
A interpretação popular e seus limites.
É frequente encontrar a explicação de que Paúba significaria “vale” ou “terra entre vales”. Embora essa leitura dialogue visualmente com a geografia local, ela não se sustenta plenamente quando analisada à luz dos dicionários históricos da língua tupi e dos estudos de toponímia, visto que "vale" é uma paisagem caracterizada por um terreno baixo entre montanhas ou colinas, com um rio ou curso d'água fluindo, ao pesquisarmos estes termos em dicionários de tupi, encontramos palavras que não se assemelham aos que formam o nome da praia. Alguns exemplos:
1- ybytygûaia' (ou ybytyûaía ou ybytyngûaia) - cauda de montanha ou passagem, caminho estreito entre montes.
2- ybytygûaia - Vale
3 - ybytyra - amontoado de terra <yby + atyra>, montanha, morro; monte; ca-beço, lugar alto
Outra hipótese possível, é que Paúba tenha se difundido como "vale", pois existe nos EUA o Pauba Valley (Vale do Pauba) e o Pauba Ridge Park (Parque Pauba Ridge), ambos situados perto de Temecula, no Condado de Riverside, Califórnia. Não são cidades, mas sim um vale e um parque, talvez tenha sido essa a referencia para atribuir tal significado.
O termo “Nhandu” nos estudos linguísticos
Pesquisas lexicográficas e linguísticas mostram que o termo “nhandu” apresenta múltiplos significados nas línguas tupis e em suas variações históricas. Entre os registros encontrados, aparecem associações com:
• Animais (como a ema ou a aranha)
• Termos ligados à natureza, à vida orgânica, plantas e arbustos.
• Usos fonéticos variados, comuns em línguas orais registradas por diferentes autores.
Registros como os de Guarino Alves de Oliveira mostram explicitamente o uso de nhandu associado ao significado de “aranha”, reforçando a possibilidade dessa leitura dentro da formação do nome. Ele também confronta cronistas e organizadores para demostrar sua tese:
yandê ou ñandé = "nós, inclusive"
ayemboê añemboé = "sou ensinado, aprendo",
yanondê, ñanöndé = "antes"
nh. yandú : av. ñandú = "aranha"
nh. yané : av. ñandé = "nós",
nh. yandi = "azeite"
ñandu = "gordura, graxa"
Hipóteses mais consistentes para o significado de NhanduPaúba
Diante da variedade de significados possíveis e da forma como os povos indígenas nomeavam os lugares, e baseados em estudiosos e pesquisadores, propomos, hipóteses que sejam que buscam interpretar a origem do nome da nossa praia.
PRIMEIRA HIPÓTESE: YBA + PA + NHANDU = "Planta ou árvore da aranha".
Yba = planta ou árvore - Pa = Partícula ou conectivo por variação fonética - Nhandu= Arannha
Uma das leituras mais consistentes interpreta na língua tupi, nas línguas gerais coloniais e no nheengatu, inúmeras palavras terminadas em Yba - com fonética "UBA", geralmente são plantas que recebam nomes associados aos de animais que vivem nelas, se alimentam delas ou são abundantes ao seu redor. No dicionário de Navarro, encontramos alguns exemplos: JACAREÚBA ("planta de jacaré"), JATOBÁ ("fruto grande" ou "fruto de araçá"), JABUTIBA ("planta de jabuti"), BUÇU (de ybusu, "planta grande"). Muitas delas têm etimologia indefinida: ALUBA, ATUBA, EMBAÚ-BA, ANINGAÚBA, ANIBÁ, CARNAÚBA, CAUÚBA, MACARANDUBA, PAXIUBA, COPAIABA, MACAÚBA, BOCAIUVA, PINDAÚVA etc. Ademais, ambientes úmidos, sombreados, com mata densa e cursos d’água — como era a paisagem original da região — favorecem grande concentração de insetos e aranhas, o que torna essa hipótese coerente tanto linguística quanto ambientalmente.
SEGUNDA HIPÓTESE: YBÁ + PA'U + NHANDU = "Planta do meio d' água"
Yba = planta + Pa'u = Está no meio de algo + Nhandu= Arbusto
Relaciona o nome à ideia de “planta que cresce no meio da água”. No dicionário de Navarro encontramos: Nhandu ou Nhandy - podem arbustos da família das piperáceas, dentre as quais a espécie Piper marginatum Jacq. Tais planos são também chamadas de betel, betre, co pimenta-do-mato, pimenta-dos-índios, cor cheirosa. Caapeba (ou Capeba) vem do Tupi-Guarani, significando "folha larga" (de kaa = folha, peba = larga), referindo-se à planta Piper umbellatum (ou Pothomorphe umbellata), conhecida por suas folhas grandes e usos medicinais como diurético, tônico e para problemas de fígado, também chamada de pariparoba. Esses ambientes eram fundamentais para os povos indígenas, visto que essas plantas podiam ser usadas como alimento, ou para feitura de remédios e unguentos.
Corrobora com relatos de caiçaras antigos e veranistas que desbravaram esta região, a atribuiriam à Paúba como tubérculo de áreas alagadiças.
Há também, significado publicado em matéria na folha de São Paulo em 1997, pela professora titular de toponímia do Brasil da USP Maria Vicentina de Amaral Dick, onde Paúba seria "aquilo que está no meio da água ou lagoa escura".
Por que não existe uma tradução única?
A língua tupi era integralmente oral. Seus registros escritos surgiram apenas após o contato com europeus, feitos por autores de diferentes origens, épocas e sistemas de escrita. Isso gerou variações fonéticas, gráficas e semânticas ao longo do tempo. Por esse motivo, nomes como NhanduPaúba não devem ser entendidos como palavras com tradução única e fixa, mas como descrições vivas da paisagem, moldadas pela observação direta da natureza e pela relação cotidiana dos povos indígenas com o território.
Um nome como patrimônio cultural
Mais do que um significado literal, NhanduPaúba preserva uma forma indígena de compreender o espaço: integrada e profundamente conectada aos ciclos naturais.
Resgatar e estudar esse nome é também reconhecer a presença indígena ancestral, muitas vezes invisibilizada, e compreender que a paisagem atual é resultado de uma história muito mais longa do que a ocupação moderna e que a cultura caiçara está muito mais próximo desses aspectos do que qualquer outra forma de expressão.
Referências
DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. Toponímia e Antroponímia no Brasil. USP.
DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. "Origem dos nomes" - Folha de São Paulo, em 03/02/1997.
NAVARRO, Eduardo de Almeida. Dicionário de Tupi Antigo. Global Editora.
OLIVEIRA, Guarino Alves de. Estudos lexicais e antroponímicos da língua tupi.
ANCHIETA, José de. Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil.
Estudos do Laboratório de Línguas Indígenas – FFLCH/USP.
Compilações lexicográficas de tupi antigo e nheengatu (séculos XVI–XIX).
